quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Ecofisiologia do florescimento da soja


O florescimento da cultura da soja é um fenômeno fisiológico bem complexo, que envolve a interação de vários fatores (latitude da região; hábito de crescimento do genótipo; período juvenil; fotoperíodo; temperatura e umidade de água no solo). Por esse motivo, o compreendimento do florescimento muitas vezes se torna confuso. Nesse sentido, a revisão abaixo tem por objetivo demonstrar de forma didática, porém, com alguns dados científicos a ecofisiologia do florescimento da soja no Brasil.

INTRODUÇÃO

Na safra 2018/19 a cultura da soja ocupou mais de 35 milhões de hectares no Brasil, com produção de 115 milhões de ton de grãos e produtividade média de 3.200 kg ha-1. Aproximadamente 85% da produção está concentrada na região Centro-Sul do Brasil, nessa região a soja é cultivada  entre os meses de setembro a março, em que, a época de semeadura situa-se entre setembro a novembro, com algumas semeaduras tardias em dezembro, ou seja, a soja é posicionada sempre como a primeira cultura da safra de verão.
A soja é uma planta de fisiologia C3, e dessa maneira, seu melhor desenvolvimento ocorre em temperaturas entre 25 a 30°C, como também, a fotossíntese da soja é saturada com 1/3 da radiação fotossinteticamente ativa (RFA), ou seja, no verão, em dias de céu limpo, a partir das 08h da manhã já há radiação solar suficiente para que a soja atinja seu máximo potencial fotossintético, sendo que, o excesso de luz que a planta recebe entre esse intervalo (08h00 às 18h00) é gasto principalmente pela fotorrespiração (Figura 1). Ainda, em relação a água, as espécies C3 utilizam de 500 a 1.000 mL de água para produzir 1 g de massa seca.


Figura 1. DFFFA (Densidade de fluxo de fótons fotossinteticamente ativa em condições de céu limpo em janeiro, março e junho em Presidente Prudente-SP (Barbosa AM, 2019).


Já as plantas C4, como cana-de-açúcar, milho, sorgo, milheto, brachiarias, entre outras, tem seu máximo potencial fotossintético em temperaturas de 30 a 35°C. As espécies C4 utilizam de 250 a 350 mL (Figura 2). Dessa maneira, uma planta C4 pode ser até 4 vezes mais eficientes no uso da água do que uma planta C3. Quanto a luz, a fotossíntese das espécies C4 não satura com a radiação solar, sendo assim, quanto mais luz, maior será a fotossíntese, isso é claro, que a planta não estiver sob condições de estresse hídrico, térmico, nutricional, entre outros.


Figura 2. Fisiologia comparada de espécies C3 e C4 (Barbosa AM, 2019).

Por esta linha de raciocínio, o correto não seria posicionar uma espécie C4 como primeira safra? Já que as condições climáticas entre outubro a fevereiro (maior temperatura e radiação) são mais favoráveis a essas espécies. O correto não seria posicionar a soja como segunda safra ou safrinha? Pois as condições climáticas nesse período (menor temperatura e radiação) seriam mais favoráveis para plantas C3? Pois bem, esse raciocínio até poderia ser válido se o desenvolvimento da soja não fosse fortemente influenciado pelo fotoperíodo. Dessa maneira, devido a soja ser uma planta de dia curto (resposta ao fotoperíodo), a época de semeadura situa-se entre setembro a dezembro, pois essa característica sobressai sobre a classificação fisiológica de espécie C3 e C4ou seja, no manejo da soja, o posicionamento da época de semeadura está mais relacionado ao tipo de resposta da planta ao fotoperíodo (planta de dia curto) do que ao tipo de classificação fisiológica (espécie C3).
Mais especificamente, o fotoperíodo exerce forte influência sobre o florescimento da cultura da soja. As plantas podem ser classificadas em plantas de dia curto, plantas de dia longo e plantas indiferentes.
Plantas de dia curto (PDC): O florescimento é estimulado quando o fotoperíodo ambiental (Fa) está abaixo do fotoperíodo crítico (Fc) (Fa ≤ Fc);
Plantas de dia longo (PDL): O florescimento é estimulado quando o fotoperíodo ambiental está acima do fotoperíodo crítico (Fa ≥ Fc);
Plantas indiferentes ou neutras: Não respondem ao fotoperíodo, e sim, a soma térmica; (Ex. Milho);

Obs.: O fotoperíodo crítico refere-se ao um determinado valor de horas de luz abaixo ou acima do qual a planta é induzida ao florescimento. Já o fotoperíodo ambiental refere-se ao próprio fotoperíodo do ambiente, propriamente dito, que varia em função da latitude da região e época do ano. No caso da soja, as atuais cultivares possuem fotoperíodo crítico que variam de 14 a 12 horas, portanto, como a soja é uma planta de dia curto, o florescimento é estimulado quando o fotoperíodo ambiental fica abaixo desses valores. 

Como visto acima, o florescimento da soja será induzido quando o fotoperíodo ambiental for menor ou igual ao fotoperíodo crítico e, para a cultura da soja florescer é necessário que ocorra dois dias de ciclos indutivos para que ocorra a indução floral, ou seja, apenas com dois dias de ambiente favorável, a soja já pode ser induzida ao florescimento. 
De acordo com Câmara e Heiffing (2000), a indução floral é uma sequência de eventos bioquímicos que resulta na manifestação de uma série ordenada de modificações morfofisiológica, resultando na expressão floral e pode ser dividida em cinco etapas:
1) Percepção do ambiente favorável: a percepção ocorre nas folhas pelo pigmento denominado fitocromo;
2) Produção do estímulo interno: após a percepção pelo fitocromo ocorrerá a produção do estímulo interno, que provavelmente trata-se das combinações de hormônios endógenos;
3) Translocação do estímulo interno: o estímulo ao florescimento é translocado até as gemas localizadas nos nós vegetativos;
4) Evocação floral: Atingindo uma certa concentração sobre as gemas, o estímulo promove a atividade meristemática das células que passam a se multiplicar e a se diferenciar em primórdios florais;
5) Realização floral: Essa última fase é caracterizada pela única fase visível, em que, ocorre a expressão máxima do florescimento, e fenologicamente, essa etapa corresponde ao estádio R1.

Resumidamente, pode-se dizer que a soja é semeada preferencialmente entre setembro a novembro, pois nesse período, após a germinação, o ambiente não está favorável para o florescimento. Nesse período a planta desenvolve-se vegetativamente, aumentando sua área foliar e o número de ramificações, que por sua vez, aumenta o número de nós, onde futuramente serão formadas as flores. Portanto, quanto maior for o número de nós, maior será o potencial de produção de vagens.
Quando o ambiente estiver favorável para o florescimento da cultura, a planta passará a investir os seus fotoassimilados na formação de flores e, posteriormente em vagens e grãos. Dessa maneira, quanto melhor tiver sido o desenvolvimento vegetativo da cultura, maior será o potencial produtivo, pois uma planta bem formada vegetativamente tem maior capacidade de atingir altas produtividades.
No entanto, em caso de semeaduras tardias (a partir de dezembro), a planta terá um período menor de crescimento vegetativo, o que por sua vez, resultará numa planta de baixo potencial produtivo devido a menor área foliar e menor ramificação, pois em semeaduras tardias a soja floresce mais precocemente.
Para entender melhor, é necessário detalhar três fatores que estão fortemente relacionados com o florescimento da cultura da soja: genótipo, fotoperíodo e temperatura. Quando se fala em florescimento da soja, esses fatores não agem isoladamente, pois os mesmos estão fortemente associados.

Tipos de crescimento da soja

Os tipos de crescimento da soja estão relacionados a morfologia do caule (haste principal) da planta. Basicamente pode-se classificar o crescimento em dois tipos: determinado e indeterminado. O crescimento determinado são genótipos que após o início do florescimento não emitem mais nenhum vegetativo, ou seja, quando a planta inicia a indução floral, o crescimento vegetativo é interrompido. Plantas de crescimento indeterminado continuam emitindo novos nós no caule após o início do crescimento, sendo que, em certas condições a planta pode crescer de quatro a cinco vez o seu tamanho após a indução floral.

Relação fotoperíodo crítico x florescimento da soja

Para um melhor entendimento de como o fotoperíodo crítico (Fc) influencia no florescimento da soja, observe as Figuras abaixo. Na Figura 3, exemplifica-se a relação de uma cultivar com Fc de 12 horas na região de Presidente Prudente-SP. A área verde, demonstra o período que as condições climáticas não estão favoráveis para o florescimento, enquanto que a área vermelha, demonstra o período de condições climáticas favoráveis ao florescimento (Fa ≤ Fc). Conforme o exemplo, esta cultivar teria um longo período de crescimento vegetativo (outubro a abril), em que, o florescimento nesse caso seria mais tardio.

Figura 3. Florescimento de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12 horas na região de Presidente Prudente-SP.

Já na Figura 4, observa-se uma cultivar com Fc de 13 horas. No exemplo, observa-se que o período de condições favoráveis para o crescimento vegetativo reduziu, quando comparada a cultivar de Fc de 12 horas. Portanto, quanto maior for o Fc de uma cultivar, mais precoce será o florescimento e quanto menor o Fc, mais tardia será a cultivar.
Figura 4. Florescimento de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 13 horas na região de Presidente Prudente-SP.


Relação fotoperíodo ambiental x florescimento da soja

A dificuldade em compreender o florescimento aumenta quando também considera-se a latitude da região, pois, se o florescimento ocorre quando o Fa ≤ Fc, logo, o florescimento está diretamente relacionado com a latitude da região (Figura 5).

Figura 5. Fotoperíodo ao longo do ano em Latitudes de 0 a 40°S.

Na sequência de Figuras abaixo, pode-se observar o efeito da região de cultivo sobre uma cultivar de soja com Fc de 12h30m. Nota-se, que, quanto mais próximo da linha do Equador estiver uma região, menor será o período de crescimento vegetativo e mais precoce será o florescimento. Como também, quanto mais ao Sul estiver uma região, maior será o período de crescimento vegetativo e mais tardio será o florescimento.


Figura 6. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m para Sorriso/MT.


Figura 7. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m para Rio Verde/GO.


Figura 8. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m para Presidente Prudente/SP.

Figura 9. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m para Ponta Grossa/PR.

Figura 10. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m para Passo Fundo/RS.

O período juvenil é uma estratégia para evitar o florescimento precoce

O período juvenil é uma fase em que a planta se encontra insensível ao fotoperíodo, ou seja, mesmo que haja condições climáticas favoráveis a planta não entra em indução floral, permanecendo no crescimento vegetativo. Algumas cultivares de soja apresentam essa característica, o período juvenil pode ser curto (período de mais ou menos 30 dias desde a emergência, em que, a partir do estádio V1 a soja já teria condições de "perceber" o ambiente); e também, o período juvenil pode ser longo (período maior de 30 dias que em algumas cultivares pode chegar até o estádio V5).
Mas por que o período juvenil é importante para a soja? A resposta está na manutenção da planta no estádio vegetativo em regiões mais próxima do trópico. Como exemplo, a região de Sorriso/MT, note que se posicionar uma cultivar de Fc de 12h30m, a planta logo após a emergência já tem condições climáticas favoráveis para o florescimento, e nesse caso, o florescimento se daria com a planta muito pequena, praticamente não tendo estruturas reprodutivas para atingir altas produtividades (Figura 11).

Figura 11. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m para Sorriso/MT.

Por isso, em regiões de latitudes próximas a linha do Equador, o período juvenil permite a planta ter um crescimento vegetativo desejável para que o florescimento ocorra quando a planta apresente bom porte, podendo dessa maneira, apresentar bons rendimentos. Conforme as Figuras abaixo, o uso de cultivares que possuem período juvenil curto (PJC) ou longo (PJL) pode ser uma estratégia para que a planta não floresça, mesmo com condições climáticas favoráveis. 
O período juvenil também é uma estratégia utilizada para genótipos de crescimento determinado, pois como essas plantas cessam o crescimento vegetativo após o florescimento, em situações de semeaduras em regiões de baixa latitude (NO e NE), como também em semeaduras tardias, a planta entraria no período reprodutivo apresentando porte muito baixo. Nesse sentido, através do período juvenil a planta teria um período maior de crescimento vegetativo, aumento dessa maneira, o potencial produtivo da planta (Figuras 12 e 13).
Figura 12. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m com período juvenil curto (PJC) para Sorriso/MT.

Figura 13. Período indutivo e não indutivo de florescimento da soja de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12h30m com período juvenil longo (PJL) para Sorriso/MT.

Na Figura 14 pode-se observar a típica resposta de duas cultivares de soja ao fotoperíodo semeadas no mesmo dia e conduzidas sob o mesmo manejo. A cultivar da esquerda possui PJL, enquanto que, a da direita PJC.

Figura 14. Cultivares de soja em resposta ao fotoperíodo.


Resposta de diferentes genótipos de soja ao fotoperíodo (Barbosa, 2019).

Resposta de diferentes genótipos de soja ao fotoperíodo (Barbosa, 2019).

Resposta de diferentes genótipos de soja ao fotoperíodo. (Fonte: Tiago Catuchi, 2019)
Resposta de diferentes genótipos de soja ao fotoperíodo. (Fonte: Tiago Catuchi, 2019)

Resposta de diferentes genótipos de soja ao fotoperíodo. (Fonte: Tiago Catuchi, 2019)


A temperatura está fortemente associada ao fotoperíodo

Quando se fala em florescimento, o fator temperatura não pode ser desconsiderado e nem desassociado da relação florescimento x fotoperíodo. A temperatura age nas plantas como promotora ou inibidora de crescimento. Em temperaturas mais elevadas o metabolismo da planta é acelerado, ou seja, o crescimento e desenvolvimento ocorre de maneira mais intensa (mudança dos estádios fenológicos), e dessa maneira, o ciclo da planta tende a ser menor. Da mesma maneira, em temperaturas menores, o metabolismo da planta é desacelerado, e dessa maneira, a planta cresce e se desenvolve num ritmo mais lento, o que por sua vez, aumenta o ciclo da planta.
Por esse motivo em regiões de altitudes mais baixas o ciclo de uma cultivar pode ser mais curto, do que o mesmo genótipo em regiões de altas altitudes, pois, para cada 100 m de altitude, ocorre uma redução na temperatura do ar de 0,6 °C, ou seja, regiões com altitudes acima de 1.000 m são aproximadamente 3 a 4 °C mais frias do que regiões com altitudes de 400 a 500 m.
Em estudo realizado por Rodrigues et al. (2001) demonstrou a relação existente entre a temperatura e o fotoperíodo na cultura da soja (Figura 15). O número de dias necessários para o florescimento praticamente caiu pela metade conforme se aumentou a temperatura (de 19 para 32°C), demonstrando dessa forma, que temperaturas altas aceleram o desenvolvimento da soja.

Figura 15. Número de dias para o florescimento da cultivar Ocepar 14 em razão da temperatura e do fotoperíodo (♦11 horas, □12 horas, ∆13 horas, ○14 horas) Rodrigues, O. et al., 2001. Resposta quantitativa do florescimento da soja à temperatura e ao fotoperíodo.

Efeito da temperatura e do fotoperíodo sobre o florescimento

Na discussão acima foi relatado os efeitos isolados do fotoperíodo e da temperatura sobre o florescimento da soja, mas no campo, os dois fatores atuam em conjunto exercendo grande influência sobre o florescimento. Por exemplo, se um genótipo fosse cultivado em uma situação de Fa ≥ Fc (não indutivo) a soja nunca floresceria? A resposta é não. Mesmo nessa condição em determinado momento a planta floresceria, no entanto, em condições mais tardia e em menos intensidade do que numa condição indutiva (Fa ≤ Fc).
Isso está relacionado a fatores genéticos da planta, que mesmo em condições climáticas desfavoráveis, através de estímulos endógenos a planta inicia o florescimento, ou seja, mesmo que não haja condições favoráveis para o florescimento da planta, em determinado momento a planta irá florescer devido fatores genéticos que controlam o ciclo de desenvolvimento da planta.
Esse efeito pode ser muito bem observado em trabalho realizado por Yang et al. (2019), onde os autores avaliaram setenta e dois genótipos de soja de diferentes grupos de maturidade em cinco faixas de fotoperíodo. Observa-se que o tempo para florescimento aumentou em todos os materiais conforme se aumentou o fotoperíodo. No fotoperíodo de 12 horas o número de dias necessário para o florescimento médio foi de 26 dias, enquanto que, no fotoperíodo de 20 horas, o florescimento médio ocorreu aos 99 dias (Figura 16).

Figura 16. Dias para o florescimento de plantas de soja de diversos grupos de maturação em função do fotoperíodo. Adaptado de Yang et al. (2019). Critical photoperiod measurement of soybean genotypes in diferente maturity groups. 

Através da soma térmica é possível  acompanhar o efeito da temperatura do ar sobre o desenvolvimento das plantas, sendo este método bastante útil para curvas de crescimento ou estudo de ciclo de cultivo de plantas, em que, o acompanhamento deixa de ser por dias após a semeadura (DAS), e passa a ser considerado o quanto de energia a planta “acumulou” no dia.
Esse método permite mensurar com maior precisão estádios fenológicos e também, o ciclo da cultura, pois, quando se considera DAS, não é contabilizado por exemplo o número de dias desfavoráveis para crescimento (excesso de dias nublados), fato este, que é considerado através da soma térmica. Dessa maneira, considera-se que cada cultivar possui um valor específico de soma térmica para fechar o seu ciclo. No Brasil, alguns trabalhos já foram realizados na cultura da soja, conforme Tabela 1.

Ano
Estado
Soma Térmica
Genótipos
Autores
2007/08
PA
1685 a 1770
01
Souza et al., 2013
1978/80
SP
1030 a 1336
04
Camargo et al., 1987
2008
RS
1997 a 2910
06
Rodrigues et., 2008

Figura 17. Florescimento de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 12 horas na região de Presidente Prudente-SP.

Na Figura 18, observa-se que, se consideramos somente o efeito do fotoperíodo sobre o florescimento, na situação de Presidente Prudente, tal genótipo iria ser estimulada ao florescimento somente em no final de fevereiro, fato este que não ocorre na prática, sendo que, neste período a cultura praticamente está encerrando o seu ciclo, por isso, é de fundamental importância a compreensão da relação temperatura x fotoperíodo.
Figura 18. Florescimento de uma cultivar com fotoperíodo crítico de 13 horas na região de Presidente Prudente-SP.

Em trabalho realizado por Barbosa et al. (2017) em dois tipos de solo na região de Presidente Prudente foi possível observar o efeito do fotoperíodo em cinco épocas de semeadura de soja. A altura de plantas e o número de vagens (dados não mostrados) reduziram conforme ocorreu o atraso da semeadura, ou seja, em plantios tardios a planta teve um período curto de crescimento vegetativo e logo já foi induzida ao florescimento. O menor porte das plantas ocasionou em redução em mais de 40% na produtividade de grãos.

Figura 19. Altura de plantas e produtividade de soja em cultivo em dois tipos de solo na região de Presidente Prudente. Fonte: BARBOSA AM, BUENO G, SANTOS SE, 2017.

Esta relação pode ser muito bem visualizada no trabalho elaborado por Cober et al. (2001) que avaliou seis genótipos de soja em cinco fotoperíodos e em duas temperaturas (28 e 18 °C). Na temperatura de 28º com o fotoperíodo mais indutivo (10 a 14 horas) o florescimento da soja ocorreu próximo ao 26 dias, enquanto que,  nessa mesma faixa de fotoperíodo (10 a 14 horas) com a temperatura de 18°C o florescimento ocorreu próximo aos 50 dias, ou seja, as plantas praticamente dobraram o tempo necessário para florescer em função da redução da temperatura (Figura 20). Já quanto ao fotoperíodo, em 28ºC, fotoperíodos menores (10 a 14 horas) promoveram florescimento aos 26 dias, enquanto que, em fotoperíodo maior, (20 horas) as plantas floresceram entre 80 a 90 dias. O mesmo efeito ocorreu aos 18°C, onde o florescimento ocorreu entre 40 a 60 dias em função do fotoperíodo.

Figura 20. Dias para o primeiro florescimento em função do fotoperíodo e de duas temperaturas de seis genótipos. Cober ER et al. Photoperiod and Temperature Responses in Early-Maturing, Near-Isogenic Soybean Lines, 2001.

Ainda, em trabalho realizado por Ohigashi et al. (2019) foi observado que em diversos fotoperíodos o florescimento de alguns genótipos de soja foi aos 29 dias com temperatura de 25°C e de 76 dias aos 15°C. Essa relação pode ser exemplificada mais didaticamente na Figura 21. Pode-se observar que o florescimento da soja é antecipado conforme se aumenta a temperatura e se reduz o fotoperíodo ambiental. Dessa maneira, o florescimento é o resultado do estímulo térmico e fotoperiódico de uma determinada região de cultivo relacionado às características genotípicas da planta.
Figura 21. Efeito da temperatura e do fotoperíodo sobre o florescimento da cultura da soja.

Dessa maneira, cada genótipo possui um período geneticamente programado de duração em função do acúmulo de energia referente a cada estádio fenológico, como por exemplo, o florescimento, sendo que, essas fases variam em função das condições edafoclimáticas da região. No entanto, o fotoperíodo atua como um estímulo externo antecipando ou retardando o início do florescimento na cultura da soja.

O grupo de maturidade padroniza o ciclo da soja nas regiões do Brasil

Pelo fato de a soja ter essa forte interação com o ambiente, alguns erros eram muito comuns na cultura da soja. Por exemplo, uma cultivar de soja que apresentava ciclo de 110 dias no Mato Grosso, quando cultivada no Sul do Brasil, apresentava um ciclo maior, chegando a 120/130 dias. Da mesma maneira, uma cultivar que apresentava ciclo de 120 dias no Paraná, quando cultivada na região Centro-Oeste, apresentava redução no seu ciclo, sendo superprecoce, com ciclo de 100 dias. Essa variação causava muitos transtornos e incertezas para o produtor e técnicos da área.
Dessa maneira, para minimizar esses erros e de modo a promover uma padronização da classificação do ciclo da soja, foi desenvolvido por Alliprandini et al. (2009) uma metodologia que classifica a soja por Grupo de Maturidade Relativa (GMR) no Brasil. Essa classificação substituiu a antiga classificação de ciclos (superprecoce, precoce, médio, semi-tardio e tardio (Alliprandini et al., 1994).
O conceito GMR teve inicio nos Estados Unidos (Poehlman, 1987) e no Brasil teve início a partir de 2009 com um dos primeiros trabalhos realizados por Alliprandini et al. (2009). Nesse sistema, as regiões são classificadas numericamente em função da latitude. Ressalta-se que quando as cultivares são semeadas nas regiões onde estão recomendados o seu GMR, a duração do ciclo é próxima de 125 a 140 dias para todos os GMRs (Zanon et al., 2015).
Os GMR são mais próximo de 10 quanto cultivadas próxima ao trópico e, de acordo com que se cultiva mais para o Sul do Brasil os valores vão diminuindo. A região Centro-Oeste situa-se no GMR entre 7 a 8, enquanto que a região Sul e Sudeste fazem parte dos GMR de 5 a 7 (Figura 22).
Figura 22. Distribuição dos grupos de maturidade relativa de cultivares de soja no Brasil em função da latitude. Fonte: adaptado de Allinprandini et al. (2009).

Em estudo realizado por Beixara et al., 2018, foi observado correlação positiva entre a época de semeadura com o ciclo de diversas cultivares para diferentes grupos de maturidade, em que, quanto mais tardia for realizada a semeadura, menor será o ciclo da planta. Os autores observaram variação de 13 a 17 dias em diversos GMR em função da época de semeadura (Figura 23).
Figura 23. Relação entre ciclo total de desenvolvimento x data de semeadura, em dias. Linha azul representa a função linear das cultivares de soja com GMR ≤ 5.5, a linha verde representa a função linear das cultivares de soja com 5.5< GMR >7 e a linha vermelha representa a função linear das cultivares de soja com GMR ≥ 7.0. (Bexaira et al., 2018).

Através do grupo de maturidade é possível estimar o ciclo de cultivo de cultivares que são cultivadas fora da sua faixa de GMR. Considera-se que para cada décimo de variação no GMR, o ciclo da planta é alterado em dois dias. Por exemplo, uma soja de GMR 8.0, quando cultivada numa região de GMR 7.5 teria um aumento de 10 dias em seu ciclo (pois quanto mais ao Sul do Brasil, mais tardio é o ciclo da planta). Da mesma maneira, uma cultivar de grupo 6.2, quando cultivada em região de GMR 7.0, teria redução no ciclo de aproximadamente 14 dias, pois quanto mais ao Norte do Brasil, mais precoce é o ciclo da planta.


O déficit hídrico também influencia no desenvolvimento da soja


Outro fator que exerce grande influência no desenvolvimento da soja é o déficit hídrico. Na discussão realizada acima, considerou-se principalmente condições favoráveis de água no solo. No entanto, grande parte da soja cultivada na região Centro-Sul do Brasil se dá em condições de sequeiro (não irrigada) e a água é o principal fator limitante de produtividade em regiões tropicais.
Quando a planta está em condições de déficit hídrico, ocorre redução na divisão e alongamento celular, o que por sua vez, causa redução no porte da planta, principalmente devido a redução da área foliar. A consequência é a redução na formação de nós, que por fim, causa redução nos componentes de produção (número de vagens e grãos por planta) (Figura 24). Ainda, em situações de déficit hídrico mais severo, a senescência da planta é antecipada, fazendo com que a planta antecipe seu ciclo.
Figura 24.  Efeito do déficit hídrico na planta de soja (Fonte: Tiago Catuchi, 2012).

Referências


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BEXAIRA KP, STRECK NA, ZANON AJ, ROCHA TSM, RICHTER GL, SILVA MR, TAGLIAPIETRA EL, WEBER OS, DUARTE JUNIOR AJ, CERA JC, RIBAS GG, UHRY JUNIOR DF, MEUS LD, ALVES AF, BALEST D. Foram desenvolvidas equações para calcular o comportamento das cultivares atualmente semeadas pelos agricultores no Brasil quando semeadas antes ou após a primeira quinzena de novembro. 2018.

CÂMARA, GMS; HEIFFIG, LS. Fisiologia, ambiente e rendimento da cultura da soja. In: Soja: Tecnologia da produção II, Piracicaba, 2000.

CAMARGO MBP, BRUNINI, O, MIRANDA MAC. Temperatura-base para cálculo dos graus-dia para cultivares de soja em São Paulo. Pesquisa Agropecuária Brasileira, 22(2), 115-121, 1987.

COBER ER, STEWART DW, VOLDENG HD. Photoperiod and Temperature Responses in Early-Maturing, Near-Isogenic Soybean Lines. Crop Sci. 41:721–727 (2001).

OHIGASHI K, MIZUGUTI A, NAKATANI K, YOSHIMURA Y, MATSUO K. (2019) Modeling the flowering sensitivity of five accessions of wild soybean (Glycine) to temperature and photoperiod, and its latitudinal cline. Breeding Science.

RODRIGUES O, CELARO MC, COSTENARO ED, AVOZANI A. Rendimento de grãos de soja em semeadura tardia. Embrapa, Boletim de pesquisa e desenvolvimento 66, 2008.

SOUZA PJ, SOUSA AM, SAMPAIO LS. Soybean development and thermal requirement under the climatic conditions of Paragominas, Pará state, Brazil. Rev. Cienc. Agrar., v. 56, n. 4, p. 371-375, out./dez. 2013

ZANON, A.J et al. Desenvolvimento de cultivares de soja em função do grupo de maturação e tipo de crescimento em terras altas e terras baixas. Bragantia, Campinas, v.74, n.4, p.400-411, 2015

YANG W, WU T, ZHANG X, SONG W, XU C, SUN S, HOU W, JIANG B, HAN T, WU C. (2019). Critical Photoperiod Measurement of Soybean Genotypes in Different Maturity Groups. crop science, vol. 59. p. 1-7..

5 comentários:

  1. Boa tarde, trabalho no estado do Mato Grosso. Venho reparando que algumas regiões como Nova Xavantina - MT e Nova Lacerda - MT, não está tendo correlação a época de plantio e a produtividade, como encontramos no norte do estado. Teria uma explicação?

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