O conceito ambientes de produção para a cultura da cana-de-açúcar foi apresentando nos VI e VII Seminários de Tecnologia Agronômica da Copersucar (JOAQUIM et al., 1994, 1997) e não demorou para que a comunidade científica nacional reconhecesse sua relevância. Na elaboração dos ambientes de produção, a análise do potencial de produtividade da cana-de-açúcar para cada classe de solo foi realizada cruzando-se as informações do banco de dados agronômicos do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o qual continha na ocasião, isto é, um histórico de dez anos de informações. Os dados disponíveis nesse banco possibilitaram relacionar diferentes solos com as respectivas produtividades da cana-de-açúcar em todo o Estado de São Paulo (BERTOLANI et al., 2015).
A análise dessas informações permitiu o estabelecimento de classes de potencial de produção dos solos para a cultura da cana-de-açúcar, as quais foram representadas pelas letras A, B, C, D e E (JOAQUIM et al., 1997). Os solos que pertencem à classe A (ambiente A), por exemplo, têm o melhor potencial para o desenvolvimento e rendimento da cultura da cana-de açúcar; os de classe B (ambiente B) têm menor potencial que os da classe A; e assim sucessivamente até a classe E (ambiente E), em que estão incluídos os solos de menor potencial (BERTOLANI et al., 2015).
Com a definição das classes de potencial de produção, denominados ambientes de produção (A, B, C, D e E) foi também possível determinar as faixas de produtividade de cana-de-açúcar para cada ambiente (Figura 1).
Figura 1. Ambientes de produção para cana-de-açúcar.
Através dos ambientes de produção ocorre o manejo varietal na cultura, todas as instituições de melhoramento de cana-de-açúcar no Brasil (RIDESA, IAC e CTC) classificam as cultivares em função do ambiente de produção. O manejo varietal é a proposta de alocar a cultivar mais apta a determinado ambiente de produção, a fim de melhor explorar seu potencial produtivo (SILVA et al., 2008).
Ambiente de produção é definido em função das condições físicas, hídricas, morfológicas, químicas e mineralógicas do solo sob manejo adequado da camada arável em relação ao preparo, calagem, adubação, adição de vinhaça, torta de filtro, palha no plantio, direto, do controle de plantas daninhas e pragas, mas sempre associadas às propriedades da subsuperfície dos solos (PRADO, 2005).
Figura 2. Componentes do ambiente de produção (Prado, 2005).
A profundidade, fertilidade e textura do solo e água são os principais componentes do ambiente de produção. A profundidade do solo tem relação direta com a disponibilidade de água e com o volume de solo explorado pelas raízes. A profundidade abaixo da camada arável é muito variável, pois os solos podem ser profundos, pouco profundos, moderadamente profundos, rasos ou até muito rasos (PRADO, 2005).
Figura 3. Efeito da profundidade sobre o desenvolvimento da planta.
A fertilidade tem relação pela fonte de nutrientes para as plantas. A textura tem relação com os níveis de matéria orgânica, capacidade de troca de cátions e disponibilidade hídrica do solo. E a água, como parte da solução do solo, que é vital para a sobrevivência das plantas (PRADO, 2005). Segundo Landell et al. (2003), a condição química do horizonte subsuperficial é determinante da produtividade da cana-de-açúcar, ampliando-se essa correlação com a produtividade com o avançar dos cortes. Verificou-se, nessa pesquisa, que a produtividade nas soqueiras decresceu significativamente na seguinte ordem: eutrófico > mesotrófico > distrófico > ácrico.
A textura do solo, é um dos componentes mais importantes do ambiente de produção, refere-se à distribuição percentual de argila, silte e areia (Figura 4). Dependendo do teor de argila, a textura do solo pode ser arenosa (<15%), média (15 a 35%), argilosa (35 a 60%) ou muito argilosa (>60%). A textura do solo influencia diretamente nas características químicas do solo e na capacidade de armazenamento de água (PRADO, 2005).
Figura 4. Textura do solo (Prado, 2005)
Joaquim et al. (1994) desenvolveram trabalhos relacionando os solos com a produtividade da cana-de-açúcar e constataram que os solos mais produtivos foram os de textura argilosa (teor de argila maior que 35%), eutróficos, seguidos dos solos distróficos, também de textura argilosa ou média (teor de argila entre 25 a 35%). Os solos de textura média ou mais arenosos e, principalmente, de característica álica, foram os de mais baixa produtividade.
Em relação à disponibilidade de água, Prado et al. (2016) propuseram seis classes para as principais classes de solo ocupadas com a cultura da cana-de-açúcar na região Centro-Sul do Brasil (Tabela 1). Os critérios adotados contemplam as variáveis dos solos (atributos físicos e morfológicos) e do clima (evapotranspiração potencial).
Dessa maneira, solos com alta disponibilidade de água podem fornecer água para a cultura da cana-de-açúcar por um período superior a 25 dias e solos com água disponível muito baixa podem fornecer água no máximo por 15 dias. Em relação as variáveis do clima, a evapotranspiração potencial da região pode influenciar a classe de disponibilidade de água. Exemplificando a classe de disponibilidade de água em um Argissolo pode variar de ADA a ADB, somente em função da evapotranspiração, e o mesmo efeito acontece nos demais tipos de solo (Tabela 2).
Em um estudo realizado por Vitti e Prado (2012), em dois solos semelhantes na textura e diferentes na química e morfologia (Nitossolo Vermelho eutrófico textura muito argilosa e Latossolo Vermelho distrófico textura muito argilosa, observaram que no Nitossolo, a produtividade de colmos foi 18 t ha-1 maior do que no Latossolo. Os autores, atribuíram essa diferença a maior disponibilidade de água e nutrientes no Nitossolo, especialmente o cálcio, e em relação a morfologia do solo, os mesmos constataram que o Horizonte B do Nitossolo apresentava estrutura do tipo prismático e subangular, ao contrário do Latossolo que apresentava estrutura granular. Essa diferença na estrutura, faz com que a drenagem da água seja mais acentuada no Latossolo, reduzindo a disponibilidade de água, e ocorrendo o ressecamento mais rapidamente.
A classificação dos ambientes de produção tem sido uma ferramenta muito importante para obter altas produtividades com sustentabilidade, visto que seu uso gera uma prática conservacionista de solo que promove a longevidade do canavial (ARANTES, 2016).
O ambiente de produção tem sido muito eficiente para recomendação de variedades de cana-de-açúcar, em que, somente através da mudança de um ambiente a produtividade de uma variedade pode ser sofre alterações na ordem de 50%. Dessa maneira, é de fundamental importância o conhecimento da variedade que será utilizada, de modo a se alocar a variedade correta para o ambiente correto. Em ambientes mais desfavoráveis, deve-se alocar variedades mais tolerantes, de modo que as perdas ocorram em menor intensidade. Sendo assim, um material não será recomendado para todos os ambientes de produção, pois dificilmente uma mesma variedade terá características de tolerância à ambientes desfavoráveis e de responsividade à ambientes mais férteis (Figura 5).
Figura 5. Ambientes de Produção para cana-de-açúcar.
Para ambientes de produção mais produtivos (A e B), recomenda-se selecionar variedades que possuam alta responsividade à fertilidade do solo, em que, quanto melhor forem as condições edafoclimáticas, maior será o potencial produtivo da variedade. No entanto, este mesmo material não poderá ser alocado em um ambiente de alto risco produtivo, em que, a queda de produtividade pode ser muito grande. Já para ambientes mais desfavoráveis, recomenda-se alocar variedades tolerantes, sendo que, normalmente essas variedades são poucos responsivas à fertilidade do solo, ou seja, essas variedades apresentam maior estabilidade às variações ambientais e de solo, no entanto, quando posicionadas em ambientes mais favoráveis ao seu desenvolvimento, o ganho em produtivo é pequeno.
Na Figura 6 nota-se a diferença de respostas de três variedades (SP80-3280, RB855156 e RB867515) em dois ambientes de produção. A variedade SP80-3280 teve produtividade de 104 t ha-1 no Ambiente de Produção C, já quando alocada no ambiente de produção A, a produtividade foi de 180 t ha-1. Já a variedade RB867515 foi a que teve maior produtividade no ambiente de produção C, quando comparada as demais variedades. No entanto, sua produtividade foi igual nos dois ambientes de produção (150 t ha-1).
Na Figura 6 nota-se a diferença de respostas de três variedades (SP80-3280, RB855156 e RB867515) em dois ambientes de produção. A variedade SP80-3280 teve produtividade de 104 t ha-1 no Ambiente de Produção C, já quando alocada no ambiente de produção A, a produtividade foi de 180 t ha-1. Já a variedade RB867515 foi a que teve maior produtividade no ambiente de produção C, quando comparada as demais variedades. No entanto, sua produtividade foi igual nos dois ambientes de produção (150 t ha-1).
Figura 6. Produtividade de colmos (TCH) de três variedades de cana-de-açúcar cultivadas em dois dois ambientes de produção.
Figura 7. Resposta varietal aos ambientes de produção.
Por fim, ressalta-se que esse sistema leva em consideração principalmente as características físicas e químicas do solo. Dessa maneira, pode ocorrer que um solo no Estado de São Paulo e no Paraná sejam classificados como Ambiente de Produção A, no entanto, apesar da classificação igualar esses solos, o potencial produtivo do ambiente pode ser diferente devido as condições climáticas, que no caso, são mais desfavoráveis no Paraná devido as baixas temperaturas do ar.
As Figuras abaixo representam bem essa situação, em um plantio realizado no fim de março. No caso, é a variedade SP80-3280, recomendada para Ambientes de Produção A e B. O plantio das duas áreas ocorreu com diferença de apenas um dia, e no caso das fotos, a cultura está com aproximadamente 120 dias após o plantio. Na Figura 7, é a variedade desenvolvida no Estado do Paraná em Ambiente de Produção A. Já na Figura 8 é a mesma variedade desenvolvida em Presidente Bernardes em Ambiente de Produção CD. Nesse caso, em particular, o desenvolvimento inicial da cana-de-açúcar no Ambiente de Produção A foi menor devido as baixas temperatura do ar ocorridas durante a fase inicial da cultura.
Figura 8. Cana-de-açúcar aos 120 dias após o plantio em Prado Ferreira-PR (Ambiente de Produção A.
Figura 9. Cana-de-açúcar aos 120 dias após o plantio em Presidente Bernardes-SP (Ambiente de Produção C.