quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O sistema radicular da cana-de-açúcar

   Nos últimos anos tem aumentado o cultivo da cultura da cana-de-açúcar em ambientes de baixo potencial produtivo (ambientes de produção C, D e E), principalmente em ambientes de solos arenosos. Um dos motivos que conferem à cana-de-açúcar alta tolerância à ambientes de baixo potencial produtivo é o vigoroso sistema radicular que a planta possui. A produção de massa seca de raiz da cana-de-açúcar pode atingir 2.400 kg ha-1 na profundidade de até 0,75 m, valor este que representa aproximadamente 3,5% da massa seca total da planta.
   Pode-se dividir o sistema radicular da cana-de-açúcar em "raízes dos toletes" e "raízes dos perfilhos". (Figura 1). As raízes dos toletes são as primeiras a se desenvolverem, sendo que essas raízes desenvolvem-se a partir dos primórdios radiculares do tolete (Figuras 2 e 3). Entre 10 a 20 dias após o plantio, inicia-se o desenvolvimento da raízes dos toletes, que sobrevivem principalmente das reservas nutricionais contidas no tolete. A função das raízes do tolete é promover o crescimento inicial das plantas, principalmente a formação dos perfilhos, sendo que, entre 60 a 90 dias essas raízes perdem sua função fisiológica, senescem e são substituídas pelas raízes dos perfilhos. O crescimento das raízes dos toletes pode atingir 20 mm dia-1 em condições favoráveis, enquanto que as raízes dos perfilhos podem ter crescimento de 80 mm dia-1.
   As raízes dos perfilhos são formadas juntamente com a formação dos perfilhos, e essas raízes serão as responsáveis pelo fornecimento de água e de nutrientes para as plantas até o fim do ciclo da cultura (Figuras 5 e 6), sendo que cada perfilho possui o seu próprio sistema radicular. Por sua vez, as raízes dos perfilhos são classificadas em raízes superficiais, raízes de fixação e raízes-cordão. (Figura 4). As raízes superficiais são responsáveis por fornecer água e nutrientes para a planta nas camadas mais superficiais do solo e podem ser encontradas até 0,75 m de profundidade. As raízes de fixação auxiliam principalmente na ancoragem dos colmos ao solo, podendo ser encontradas até a profundidade de 1,5 m. Já as raízes-cordão, tem por função fornecer água para as plantas das camadas mais profundas do solo, podendo atingir até 4,0 m de profundidade. No período de grande crescimento vegetativo da cultura, aproximadamente 50% do sistema radicular está localizado na camada de 0,2 m de profundidade, e 80% até a profundidade de 0,6 m.
   Após a o corte da planta um novo sistema radicular será formado, portanto, ao longo dos sucessivos cortes da cultura as plantas passam a ter o sistema radicular mais superficial e menos vigoroso. É importante ressaltar que, logo após o corte o sistema radicular antigo ainda continua por um tempo em atividade, por isso, deve-se tomar muito cuidado com a época em que é realizada a escarificação na cana soca.
   Por exemplo, quando o corte for realizado entre julho e setembro (soca seca), não recomenda-se realizar a escarificação em sequência, e sim, aguardar o retorno das chuvas, de modo a se aumentar a umidade do solo, pois, como o sistema radicular antigo ainda mantém-se em atividade após o corte, a escarificação pode danificar as raízes, prejudicando a brotação da soqueira, já que nesse período há pouca umidade no solo. Já quando a colheita for realizada em soca úmida (abril-junho / outubro-novembro), recomenda-se realizar a escarificação o quanto antes, pois nesse período como há boa disponibilidade de água no solo, a planta já inicia a formação do novo sistema radicular, sendo assim, caso a escarificação seja realizada muito tarde, pode ocorrer danos ao novo sistema radicular, fazendo com que a planta gaste novamente energia para o desenvolvimento das raízes. Dessa maneira, em soca seca recomenda-se aguardar o retorno da umidade do solo, enquanto que em soca úmida, recomenda-se realizar a operação rapidamente.
   Por fim, vários são os fatores relacionados ao solo que podem influenciar o desenvolvimento do sistema radicular da cana-de-açúcar, como por exemplo: temperatura, umidade, textura, densidade, fertilidade, etc. O desenvolvimento do sistema radicular é reduzido em condições de baixa temperatura do ar e umidade do solo, como também, em solos com maiores teores de argila e também em solos compactados e de baixa fertilidade.
  

 Figura 1. Raízes da cana-de-açúcar: raízes do tolete e do perfilho.

Figura 2. Desenvolvimento da raízes do tolete a partir dos primórdios radiculares.

Figura 3. Raízes do tolete da cana-de-açúcar.


Figura 4. Raízes da cana-de-açúcar (raízes superficiais, de fixação e cordão).

 Figura 5. Raízes dos perfilhos da cana-de-açúcar.

 Figura 6. Raízes dos perfilhos da cana-de-açúcar.

Figura 7. Sistema radicular da cana-de-açúcar

Figura 8. Sistema radicular da cana-de-açúcar

















segunda-feira, 21 de março de 2016

Fases de Crescimento da Cana-de-Açúcar


Originalmente, a cana-de-açúcar é classificada como planta de ciclo anual, no entanto, visando o manejo agrícola da cultura, classifica-se a cana-de-açúcar como cultura de ciclo semi-perene, pois a cada quatro ou cinco anos, é necessário que se faça o replantio (reforma) da cultura.

Quanto ao crescimento anual da cana-de-açúcar, recentemente o pesquisador Graham Bonnett (2013), classificou o desenvolvimento vegetativo e reprodutivo da cultura em dez estádios fenológicos, sendo que dos estádios 0 ao 5, refere-se ao desenvolvimento vegetativo, e do 5 ao 9, refere-se ao desenvolvimento reprodutivo, conforme pode-se visualizar na Figura 01,

Estádios fenológicos:
0: Germinação (Semente ) e Brotação (Tolete ou Soqueira)
1: Desenvolvimento Radicular e Foliar
2: Perfilhamento
3: Alongamento do Colmo
4: Desenvolvimento do Colmo
5: Emergência da Inflorescência
6: Florescimento
7: Desenvolvimento do Fruto
8: Maturação das Sementes
9: Senescência



Em termos de produção agrícola (produção de etanol e açúcar), essa classificação fenológica não é muito utilizada, pois os estádios de desenvolvimento reprodutivo não são desejáveis (florescimento). Dessa maneira, classifica-se o crescimento em quatro fases: brotação, perfilhamento, crescimento vegetativo e maturação.




BROTAÇÃO:
A brotação é a primeira fase de crescimento, e tem início após o plantio dos toletes no solo. Em condições de boa umidade do solo e temperatura do ar, a brotação pode-se se tornar visível entre aproximadamente sete a dez dias após o plantio. Na primeira fase da brotação, raízes se desenvolvem a partir da zona radicular, localizados no "nó" do tolete, essas raízes são denominadas raízes Sett, e são responsáveis pelo desenvolvimento inicial das plantas, pelo menos, até o fim da fase de brotação.

Em seguida, ocorre a brotação das gemas localizadas na base de cada entrenó. O primeiro perfilho que pode ser visualizado no campo é conhecido como "esporão", e após o perfilho primário, ocorre a brotação dos perfilhos secundários, terciários e assim por diante, sendo que os demais perfilhos serão emitidos a partir da base do perfilho primário.

Essa primeira fase dura aproximadamente 30 dias, esse tempo pode variar principalmente em função da temperatura do ar e da umidade do solo, sendo que, temperaturas baixas e baixa umidade do solo retardam essa fase. Após a brotação completa de todas as gemas, dá-se início a segunda fase de crescimento.

PERFILHAMENTO:
Nessa fase ocorre a formação dos perfilhos, que futuramente, se tornarão os colmos produtivos. Essa fase vai até os 120 a 150 dias após o plantio (DAP), e também é fortemente influenciado pelo clima e fatores genéticos do cultivar, em que, temperatura baixa e baixa umidade do solo reduzem o número de perfilhos, e também, certos genótipos possuem maior capacidade de perfilhamento. De modo geral, a produção de perfilhos pode chegar entre 25 a 35 perfilhos por metro linear, sendo que o pico de perfilhamento situa-se entre os 120 a 150 DAP.

O principal fator que faz com que as plantas parem de perfilhar é a luminosidade no meristema basal das plantas, localizados próximo ao solo. Quando a incidência de luz no meristema basal reduz em 70%, a planta para de perfilhar e inicia a fase de crescimento vegetativo (alongamento do colmo). De maneira mais detalhada, os primeiros perfilhos formados (primário, secundário e terciário) vão se desenvolvendo, aumentando o índice de área foliar, de tal modo, que esses perfilhos começam a auto-sombrear-se, e quando a luminosidade é reduzida em 70 % na base das plantas, o perfilhamento é inibido.

Por isso, mesmo que a cultura esteja em fases mais avançadas (crescimento vegetativo e maturação), caso ocorra o tombamento das plantas causado pelo vento ou por outros fatores, o perfilhamento será reiniciado, pois o meristema basal voltará a receber luminosidade.

Em relação ao sistema radicular, as raízes Sett são responsáveis pela absorção de água e nutrientes somente até os 60 a 90 DAP. Essas raízes serão substituídas pelas raízes Shoot, que serão as responsáveis pela absorção de água e nutrientes para a planta até o final do ciclo, e essas raízes são originadas a partir da base dos perfilhos, e não do tolete, como as raízes Sett.

CRESCIMENTO VEGETATIVO:
Após o perfilhamento, a planta inicia o crescimento vegetativo, fase em que ocorre o grande crescimento da cultura, aumentando o índice de área folar (IAF), desenvolvimento do colmo (formação de entrenós e diâmetro) e redução no número de perfilhos.

Como mencionado na fase de perfilhamento, o pico de perfilhamento ocorre entre os 120 a 150 DAP, podendo ter entre 25 a 35 perfilhos por metro linear. No entanto, nem todo perfilho formado se tornará um colmo produtivo, em números, aproximadamente, entre 40 a 50% dos perfilhos formados se tornarão colmos produtivos, os demais perfilhos formados ou irão senescer ou irão se tornar os "brotões", que é um perfilho de cana que não senesceu e também não tornou-se um colmo produtivo.

Da mesma maneira que a baixa luminosidade reduz o perfilhamento, a falta de luz faz com que esses perfilhos entrem em senescência, ou seja, os primeiros perfilhos formados sombrearão os perfilhos mais tardios, causando a senescência desses perfilhos. Portanto, os perfilhos que irão até o final do ciclo da cultura, e se tornarão colmo produtivo, são os primeiros perfilhos formados (aproximadamente entre 30 a 60 dias). Normalmente, o número de colmos produtivos na fase da maturação fica próximo de 10 a 12 plantas por metro linear.

O grande crescimento vegetativo ocorre no verão, onde nessa época há maior radiação solar incidindo sobre a superfície do solo devido ao fotoperíodo, bem como, a temperatura do ar e a precipitação pluviométrica é maior. Em condições ideais, nessa fase, a planta pode formar aproximadamente três entrenós por mês e ter doze folhas verdes totalmente expandidas.

É importante ressaltar que, nessa época não é recomendado realizar a colheita das plantas, pois, devido aos fatores climáticos (luz, temperatura e água), a planta possui baixo teor de sacarose no colmo, tendo maior teor de açúcares redutores (glicose e frutose), que são responsáveis pelo crescimento vegetativo.

Nos meses de dezembro e janeiro, o acúmulo de biomassa fresca pode chegar a 25 toneladas por hectare por mês, já nos meses de julho e agosto, o acúmulo de biomassa verde não ultrapassa 5 toneladas por hectare por mês. Dessa maneira, o grande crescimento vegetativo da cultura ocorre no verão, e qualquer fator que atrapalhe o crescimento das plantas nesse período (déficit hídrico, déficit nutricional, pragas, etc) ocasionará em redução no rendimento de colmos.

MATURAÇÃO:
Na cultura da cana-de-açúcar é desejável que as plantas passem por um período de estresse, pois será nesse período que ocorrerá o maior acúmulo de sacarose nos colmos das plantas. E os principais fatores de estresse são a falta de água e baixas temperatura do ar, esses dois fatores, fazem com que as plantas reduzam o crescimento vegetativo e passem a acumular sacarose no. O início da fase de maturação é marcada pela redução na área foliar das plantas, pois as folhas mais velhas entram em senescência, e as plantas ficam com aproximadamente seis folhas verdes. A senescência foliar da planta é uma estratégia para ela se manter viva, reduzindo o número de folhas a planta reduz também a transpiração, reduzindo dessa maneira a exigência em água.

Dessa forma, na região Centro-Sul, o período de maturação da cana-de-açúcar se inicia a partir do mês de março, e vai até meados de outubro. Portanto, a safra da cultura da cana-de-açúcar ocorre no período de outono-inverno. Na fase de maturação o crescimento da planta é fortemente reduzido, dessa maneira, haverá menor quantidade de açúcares redutores (glicose e frutose) e maior quantidade de sacarose. Essa é a fase ideal para a colheita dos colmos, que terão aproximadamente 20 entrenós.

No início da safra (março e abril) o teor de sacarose nos colmos muitas vezes ainda não é o ideal para a colheita, pois nesses meses ainda há disponibilidade de água no solo e temperaturas favoráveis para o crescimento, tanto é, que a maioria das usinas forçam as plantas a acumularem sacarose mais cedo através da aplicação de reguladores vegetais. Já entre junho e agosto, ocorre o pico de maturação das plantas, com maior acúmulo de sacarose, pois normalmente, esses são os meses mais secos e frios do ano.

A partir de outubro, quando a disponibilidade de água e a temperatura começam a aumentar, é normal que haja uma redução no acúmulo de sacarose nos colmos, pois a planta volta a crescer, por isso, é normal que também se faça a aplicação de reguladores, com o objetivo de fazer com que as plantas mantenham valores consideráveis de sacarose, permitindo desta maneira, a rentabilidade da colheita.

É de fundamental importância destacar que, na fase de maturação o crescimento das plantas é muito baixo ou praticamente nulo, dessa forma, a sacarose ficará armazenada nos entrenós formados na fase do crescimento vegetativo, sendo assim, quanto maior for a produção de entrenós, e quanto maior for o diâmetro dos entrenós, maior será o volume disponível de colmo para se fazer o armazenamento de sacarose e portanto, maior será a quantidade de açúcar levada para a indústria.

Os números apresentados referem-se a um plantio realizado em março (cana de ano-e-meio).

Abaixo seguem algumas imagens referentes as fases de crescimento:

Tolete de cana-de-açúcar brotando. Raízes Sett são formadas a partir da zona radicular do nó.
Brotação da cana-de-açúcar. Na imagem é possível visualizar com detalhe a zona radicular presente no nó do colmo.

Tolete de cana-de-açúcar brotando. Raízes Sett são formadas a partir da zona radicular do nó.

Brotação num estádio mais avançado. Fase de emissão do perfilho primário (esporão).

Brotação dos perfilhos primários da cana-de-açúcar.
Brotação da cana-de-açúcar.
Fim da fase de brotação e início da fase de perfilhamento.

Brotação da cana-de-açúcar: Perfilho primário rompendo o solo (solo argiloso).
Brotação da cana-de-açúcar em solo arenoso.
Brotação dos perfilhos primários e secundários da cana-de-açúcar.
Início do perfilhamento. Perfilho primário, secundário e terciário.
Início da fase de perfilhamento.

Imagem do meristema basal. Na imagem é possível identificar o perfilho primário, secundário, e assim por diante, como também, a formação de novos perfilhos a partir da base do perfilho primário.

Imagem do meristema basal. Na imagem é possível visualizar o local de onde os perfilhos são originados.

Fim da fase de perfilhamento (Sombreamento da base da planta).

Início da fase de alongamento do colmo (colmo com 3 a 5 entrenós).

Perfilho morto devido ao sombreamento.

Cana denominada "brotão". Colmo que não se tornou colmo produtivo e não senesceu.


Cana-de-açúcar com 2,5 m e 15 entrenós. (11 meses)
Cana-de-açúcar com aproximadamente 4,0 m e 25 entrenós (14 meses).